APRESENTAÇÃO
“Viver é muito perigoso” - Guimarães Rosa em
Grande Sertão: Veredas.
Em um mundo “perigoso” e repleto de
imprevisibilidades, nada mais reconfortante do que saber da existência do
instituto jurídico denominado de “Seguro”. Se hoje a atividade seguradora é uma
atividade inerente ao próprio sistema econômico sob o qual vivemos e movimenta
cifras bilionárias, não podemos, por outro lado, esquecer que parte de sua
origem, que se mantém ainda hoje, se deve ao espírito solidário e de cooperação
entre as pessoas. Seja para o patrimônio, para a atividade profissional ou para
a própria vida, o seguro é instituto essencial na vida contemporânea,
possibilitando que mais pessoas se envolvam e se arrisquem nas atividades
mercantis.
No romance de Guimarães Rosa, o narrador,
Teobaldo, pensa ser Diadorim uma pessoa, quando na realidade é outra. Uma
dúvida perpassa toda a obra. A vida toda é uma dúvida e os portos seguros são
muitas vezes ilusórios. Daí a importância do seguro para mitigar as incertezas
e proporcionar algum conforto na travessia.
Para a Ordem dos Advogados do Brasil,
comprometida que deve estar com os valores da estabilidade social ao mesmo
tempo com os avanços da ciência, da tecnologia e da atividade econômica, nada
mais reconfortante que ter em seus quadros um grupo de advogados e advogadas
que se dedicam voluntariamente ao aprimoramento e divulgação do Direito
Securitário.
Comissão de notável saber e distinta atuação,
promotora de eventos jurídicos de grande alcance e reconhecimento, levou o nome
da Subseção Jabaquara- Saúde ao mais alto patamar dentro e fora da Ordem dos
Advogados do Brasil. Fica antes de mais nada registrada a gratidão da entidade
pela profícua gestão nesses anos de condução por seu presidente Cesar Cassoni.
Os textos apresentados neste livro trazem ao
leitor o que de mais atual se tem no
Direito Securitário, sem se afastar da abordagem clássica.
Atual
tanto no que diz respeito à legislação que é devidamente enfrentada como também
nos temas debatidos como a análise econômica do direito, o tema do cyber seguro
e paramétrico, e ainda nos enfoques inovadores como os voltados para a função
social dos contratos de seguro, sua relação com a democracia e eventuais
dissonâncias jurisprudenciais à letra da lei.
Sem minimizar a “relevância do Direito como
instrumento eficaz de apaziguamento social” Marcelo Barreto Leal traz a
importância da interlocução com outras ciências, em especial a econômica, para
melhor interpretar o mundo. Não há, aliás, outro caminho em uma era em que a
lógica econômica permeia quase todas as relações e espaços de vida. O Direito,
pois, não pode negar o mundo e se manter apartado da realidade.
Laura Pelegrini atualiza
os leitores sobre a regulação do sinistro, sua complexidade de procedimentos, a
variar conforme o ramo securitário e o novo marco regulatório dos seguros de
danos, com o eventual surgimento de novos produtos ao mercado, que trará novos
desafios aos operadores do direito securitário.
Melisa Cunha Pimenta e Lauana
Barros de Almeida, dissertando sobre o contrato de seguro, iniciam por
diferenciar os seguros de danos e o seguro de pessoas e focam no contrato de
seguro garantia, em suas modalidades pública e privada, tão importante que foi
na realização de grandes obras de infraestrutura, em sua vertente pública.
Passam ainda as autoras pelo seguro garantia judicial que ganhou relevância
nesse período de pandemia, ressaltando o papel importante da Susep na
disciplina dos institutos de seguro.
Em um mundo em que cada vez mais as constantes
agressões do homem ao meio ambiente são questionadas, Janaina Andreazi enfrenta
o tema do seguro paramétrico, definido este como aquele que “visa a garantir
interesse legítimo do segurado, baseado em parâmetros preestabelecidos para a
ocorrência de eventos naturais”, importante, assim, instrumento de mitigação de
danos causados por eventos da natureza.
Geralmente voltados para o comportamento do
segurado, Sandro Raymundo foca seu estudo para o comportamento da
seguradora, ressaltando que ela também deve se pautar com retidão, tendo em
vista ser o ponto de partida do contrato, devendo se abster de “fazer
subscrições desidiosas, perguntas mal elaboradas ou faltarem com os deveres de
informação, lealdade e boa-fé”. O autor disserta sobre a importância das
declarações pré-contratuais, devendo elas ser adequadas, objetivas e
cumpridoras da finalidade.
Letícia Zampieri N. Sampaio,
acompanhando a evolução do tempo, com o aumento de crimes cybernéticos,
atualiza sua área de atuação com um estudo sobre o direito do seguro cyber, ou
o seguro contra o risco cibernético. Conectados o tempo todo, estamos
vulneráveis à ilícita obtenção de dados por criminosos, dados estes
considerados a nova riqueza. A autora apresenta assim o risco cibernético e
seus aspectos, em face da atualíssima, em nosso país, lei geral de proteção de
dados.
Cesar Augusto Cassoni enfrenta
o importante tema da função social dos contratos de seguro de pessoas, na sua
forma individual ou coletiva. Contrato este que ganha relevância com o aumento
da violência urbana e da sensação de insegurança que permeia a vida
contemporânea, sem esquecer que este tipo de contrato cobre também a situação
de doença, incapacitando a pessoa para a vida laboral, em um estado aquém de
satisfazer essas necessidades.
Tratado antigamente como “seguro de vida”,
ganhou nova roupagem com o Código Civil de 2002, além de normas específicas e a
incidência do Código do Consumidor, impondo, em sua interpretação, a
necessidade de se fazer segundo um diálogo das fontes. O autor ressalta, ainda,
a fundamentação do contrato e sua função social em amplo espectro
constitucional a assegurar a dignidade da pessoa humana.
Lúcio Roca Bragança envereda
no curso da interessante relação entre democracia e o instituto do seguro.
Fazendo abrangente estudo sobre a primeira, chega aos princípios estampados na
Constituição brasileira, erigindo a dignidade da pessoa humana, para assentar
os fundamentos do contrato de seguro. Abordando a crise econômica, inclusive
agravada pela atual pandemia, o autor revela a mitigação de riscos e as
consequências econômicas advindas pelo instrumento do seguro, que tem alcance
não apenas individual, mas também global, gerando contribuições ao
desenvolvimento.
Adilson José Campoy e Marcio
Alexandre Malfatti abordam o seguro de pessoa e a maneira como é visto e
tratado pelo Superior Tribunal de Justiça. Analisando súmulas do Tribunal, os
autores apontam para dissonâncias entre a interpretação do tribunal e as normas
legais. Em busca de “pretensa justiça humanitária”, o Tribunal parece, às
vezes, olvidar da vigência de importantes dispositivos legais. Nesse sentido os
autores diferenciam situações fáticas, por exemplo, do suicídio e do uso do
álcool, sendo que no segundo caso a pessoa coloca em risco a vida de outras
pessoas, diferentemente, em geral, do primeiro caso. Cláusulas de exclusão de
risco e agravação do risco são conceitos jurídicos que são às vezes confundidos
também, mostrando que essas questões se situam em uma complexidade que às
vezes, esquecendo-se que a determinação de pagamento em situação que não são
dúbias, e que aí sim, prevalece o interesse da parte mais fraca, levará o
aumento dos prêmios, uma vez que o sistema de seguros é baseado no mutualismo.
Ricardo Einsfeld Villar,
abordando o tema do sinistro e condutas de regulação começa por nos lembrar já
no início de seu trabalho que a visão de senso comum de que o não uso do
seguro, pela falta do sinistro, traria um prejuízo, é equivocada. É que o
seguro é contratado para oferta de segurança, um conforto espiritual diante de
uma sociedade de riscos como a nossa. O sinistro, na realidade, é o “ponto
nevrálgico” na relação segurado-seguradora, segundo o autor, já que na
inexistência do sinistro quase não surge conflito. Ocorrido o sinistro,
todavia, pode se desencadear o conflito diante da negativa de pagamento da
indenização. Tema árduo para o estudioso do direito e burocrático para a parte,
aqui devidamente enfrentado pelo autor.
O seguro prestamista e o seguro educação que
servem às situações de desemprego involuntário são as modalidades debatidas por
Fernanda Dornbush Farias Lobo e Tiago Moraes Gonçalves. Essas novas modalidades
de seguro são decorrentes da complexidade da realidade econômica de nossas
sociedades e reveladoras da criatividade e capacidade do setor de seguros. Os
autores mostram, contudo, que a falta de informação adequada, pouco
transparente, venda do seguro a pessoas fora do perfil acabam por serem vistas
negativamente, sendo um seguro de importância para os momentos de infortúnio
pessoal. Propõem, assim, medidas a fim de evitar a crescente litigiosidade
neste tipo de seguro.
Luciana Paola Mussa apresenta
os tão polêmicos planos de saúde. Partindo do ponto de vista do consumidor e
diferenciando os regimes de planos individuais e coletivos, a autora aborda os
desafios decorrentes nesta modalidade de seguro, por uma errônea qualificação
jurídica de planos destinados à proteção individual ou familiar mas que se
configuram um falso coletivo. Há um controle de índices de reajuste das
mensalidades para planos individuais, e que nos coletivos os reajustes parecem
ocorrer “sem transparência e sem informação suficiente”, levando à conclusão de
uma “notória ausência de fiscalização” dos planos coletivos a grupos
nitidamente familiares e sem coletivização, o que levou a autora a denominar
seu artigo, em virtude dessa eventual burla ao regramento, de “A falsa
coletivização e suas interferências no reajuste por sinistralidade dos planos
de saúde”.
São, enfim, artigos de extrema agudeza e
pertinência, de modo que recomendamos fortemente a leitura da presente obra,
pela sua essencialidade para compreensão dos tempos que vivemos.
Parabéns ao Presidente e a todos os membros da
Comissão de Direito Securitário da OAB Jabaquara-Saúde.
EVANDRO ANDAKU
Advogado
– Presidente da OAB Jabaquara/Saúde